sábado, 11 de setembro de 2010

Lembranças

Vídeo de Sarah McLachlan - In the Arms of the Angel


Eu não tenho mais aquele cantinho do lado da poltrona pra me acomodar
Nem preciso ficar atenta com o sal na comida, ou com o horário dos remédios
Nem com o filme que eu gosto e que vou ter que abrir mão,
Porque você quer ver o filme do Charles Bronson.
Nem vou precisar me irritar porque você pede que eu te sirva o suco de laranja.
Nem as suas reclamações, nem os caprichos e os murmúrios
Também as brincadeiras; e é isso.


É... a vida deveria seguir. Entendimento e aceitação.
Mas todos os dias ainda fico aguardando de um lapso em que a dor seja menor
São insuportáveis as recordações por toda a casa
Uma foto num quadro, os móveis, os carros, os tecidos, as galinhas,
Até velhas manias foram incorporadas por nós
A casa é sua. Quando você volta para cuidar dela?

Outro dia me peguei remexendo suas roupas
Pra ver se restava algum resquício de cheirinho
Abracei-me com pedaços de pano e chorei
Mas meus abraços agora são vazios


E eu não suporto mais chorar
Será que algum dia terei uma segunda chance?
Sentar, conversar e ouvir metade das palavras em árabe,
metade em português?
As histórias que ficaram por serem contadas...
As perguntas que deixei de fazer.
Que arrependimento!

Uma música me lembra, um filme me lembra.
Será mesmo que você pode me ver? Ou me ouvir?
Ou ficar orgulhoso por eu estar tentando cuidar da mamãe?
Eu tento ser forte. Afinal, aqui, a regra sempre foi essa.
E agora eu tenho que me suportar sozinha
E é sozinha também que eu choro
Pra ninguém ver ou ouvir a fraqueza do meu corpo
E a melancolia de meu choro
Será que algum dia me sentirei livre?

As lembranças estão começando a rarear
E isso me preocupa
As palavras por enquanto são o meu melhor suporte.
É o melhor modo que achei até agora de prender as lembranças na matéria.
E eu desejo lembrar de você até ficar velhinha
Nem que seja só por meio dessas palavras.

Eu me sinto vazia; talvez esteja mesmo vazia pra sempre.
E partilhar a angústia não tem me ajudado.


Da música:

“Memórias se infiltram pelas minhas veias
Elas talvez sejam vazias e leves, e talvez
Eu encontre alguma paz esta noite”

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